Ao ler os primeiros parágrafos da postagem da Beatriz Seigner sobre o Fora do Eixo (que já tem mais de 4000 compartilhamentos), me identifiquei com as histórias porque também já fui uma "vítima". No decorrer da postagem me identifiquei mais ainda, e mais, e mais, e mais, até me sentir motivado a escrever as minhas experiências pessoais com o circuito. Pode dar a impressão que quero aproveitar o ôba-ôba que todos tem dado ao Fora do Eixo e divulgar minha imagem como artista, mas este não é o meu método de divulgação. Meu oportunismo aqui está em aproveitar este momento para reforçar pontos de vista, encorajar e INCENTIVAR que, assim como a Beatriz, outros artistas compartilhem suas experiências questionáveis do FdE. Em meio a tantas manifestações nesta "Babilônia" o desabafo dos artistas também deveria subir à tona. Desde 1995 estive envolvido em circuitos independentes no Brasil, mas meu envolvimento com o FdE é recente: em 2009 se configurava o coletivo que fiz parte e imediatamente se integrou ao circuito. Obviamente não quero comparar a articulação independente de hoje com os 1990s mas é preciso abrir um parêntese que naquela época trocávamos material (fita-demo, fanzines, etc) e era assim que abrangíamos nossos contatos, divulgávamos nosso trabalho e fazíamos shows ou tocávamos em festivais do Brasil inteiro. Quero deixar bem claro que era justamente deste material artístico em primeiro plano que surgia interesses mútuos. Ou seja, se houve uma "cena independente", ela surgiu por natureza. Pois bem, logo na primeira reunião na Sede do coletivo com um dos idealizadores do FdE deu pra sentir sua urgência em agregar simpatizantes. Não era "da boca pra fora". Seus olhos brilhavam e tudo era muito novo para nós. Todas aquelas referências dele nos deixavam boquiabertos. "Uau! OITENTA coletivos espalhados pelo Brasil inteiro!!!" (hoje em dia o número ziplicou é certo). Todas as bandas que se cadastrassem no TnB (Toque no Brasil) fariam shows garantidos em cinco pontos culturais espalhados pelo Brasil inteiro! Ficamos hipnotizados e até me mudei para a Sede, onde morei em 2010. E assim seguiram outras e outras reuniões. Todas muito bem preparadas e retóricas. Com o decorrer do tempo comecei a achar umas coisas um pouco radicais. Não necessariamente exageradas, mas radicais mesmo. Por exemplo, o FdE aparentemente é uma rede pioneira em implantar a política do sofware livre (Linux) no Brasil, e eu trabalhava no audiovisual usando Windows escondido, porque era muito mais prático pra trabalhar e não ficaria 24 horas por dia pra fazer uma vinheta de 30 segundos. Eu também ficava por conta de editar e masterizar os bootlegs das inúmeras bandas que circulavam. Posso correr risco de vida, mas fiz tudo escondido no Windows. Bom, eu estava errado e desobedeci, sei disso. Mas quero chegar num ponto que acho questionável. É o seguinte... Como artista-solo (com banda), sempre usei meu laptop pra endereçar samples e VSTs do Windows para o sintetizador e reproduzir ao vivo. Programei e aperfeiçoei tudo detalhadamente com uma precisão intocável. Eu sei que é possível construir tudo isso no Linux, mas para começar tudo de novo e conseguir o mesmo resultado daria muito, mas muitíssimo trabalho. Minha dúvida é: faz parte? "ajoelhou tem que rezar?" SE VIRA?!?! Mas já me virei antes! Começaria do zero no Linux, claro. Mas já estava pronto e interligado ao meu trabalho, que supostamente se interessaram quando ouviram antes de me convencerem a fazer parte. Ou será que passaria por uma espécie de "lavagem cerebral"? É um vestígio de que o conteúdo artístico talvez não estivesse em primeiro plano. Ensaiamos, ensaiamos e estávamos preparados para circular tocando no Brasil (como diz o título do site). Me cadastrei e aguardei os resultados. O lema principal do circuito era "ARTISTA = PEDREIRO" e isso implicava naquela velha lógica que todos já devem conhecer. Trocando em miúdos o artista que sobe muros, ajuda na limpeza da cozinha solidária e participa de todas as reuniões tem mais chance de circular do que o artista que fica o dia inteiro trancado no quarto compondo uma ópera. Meu apelo é o mesmo da Beatriz: o artista deveria ser valorizado primeiramente de acordo com suas sensações em relação ao mundo. Compôr é um trabalho tão árduo quanto cimentar o chão; escrever poemas é um trabalho tão árduo quanto escrever propostas de editais; fazer um filme é um trabalho tão árduo quanto fazer um teaser do Grito Rock. O artista brasileiro já é taxado de vagabundo como se arte não fosse sinônimo de trabalho. Não precisamos de um circuito que reforce mais ainda esse quadro. Eu dividia meus dias entre ficar trabalhando com audiovisual e compondo. Trabalhar com audiovisual também significava participar de todas as reuniões online e presenciais, e passaram a nos convocar para trabalhar em outras cidades. Fomos para a Casa Fora do Eixo em São Carlos e cobrimos o Grito Rock. Reuniões, reuniões, reuniões, louça pra lavar e o banheiro bem porco, sem condições. Ficamos dois (ou três) dias. Filmei o festival e trabalhei no balcão vendendo cervejas e refrigerantes para a multidão. Cansativo, mas seria por uma boa causa: tocar no Brasil. De certa forma nós "pagaríamos" (trabalharíamos) pra tocar e não receberíamos nenhum cachê. As bandas trocam serviços por uma espécie de "pontos positivos". Voltamos e cobrimos o Grito Rock daqui. Hospedamos as bandas na Sede e organizamos o festival. Mesma coisa: filmei e editei. Conheci muita gente legal sim, em todos os lugares. E no outro dia fomos cobrir o Grito Rock em Serrana, cidade que enfim fui selecionado para tocar. Tocamos lá nas condições mais precárias... é uma pena e eu sinto muito, porque, bom, gosto muito do pessoal de lá, especialmente do Ricardo Brasileiro, e são muito unidos e é muito bonito as ações que fazem por lá. Mas a má qualidade realmente prejudicou. Odeio dizer isso, mas o público presente era 100% o pessoal do FdE (as bandas e os caras), e não havia nenhum cuidado com a qualidade do som. Dava a impressão que a reunião que aconteceu depois foi mais focada que os shows em si. Outro vestígio que o conteúdo artístico não está em primeiro plano. Depois fomos pra Bauru, depois pra Araraquara. Eu nunca me interessava pelas reuniões (sustentabilidade, economia solidária, software livre...) porque era necessário prestar atenção. Mas sempre intimei assuntos específicos e direcionados à música, arte, processo de criação, etc. Me lembro que uma vez, dirigindo uma Panorama e transportando equipamentos, liguei o CD do carro (era Eric Dolphy) e um membro do nosso coletivo disse pra eu desligar porque se desconcentrava conversando sobre o FdE com o parceiro que também ia conosco de carona. Era tudo muito claustrofóbico. Tem muitas histórias bizonhas, mas estou tentando pontuar somente as que dizem respeito ao meu ponto principal daqui: o artista jogado em vigésimo plano. E finalmente questionei os porquês de eu não circular e outra banda da minha cidade circular. Obtive uma resposta que não entendi ainda: "tá rolando uma tendência", e daí descobri que essa banda foi atrás de editais para circular divulgando o CD. Então, além de trabalhar para o circuito, participar de todas as reuniões, tem que correr atrás de editais ainda. Posso estar falando asneiras, mas era o que me parecia. A primeira coisa que me vem à cabeça quando se diz "tendência" se referindo ao FdE é Los Hermanos mas isso fica pra outra história. Em apelo direto à arte em primeiríssimo plano, ainda em 2010, passei a "vender" meu CD (que é duplo) por -1,00 (MENOS UM REAL). Ou seja, a pessoa adquiria o CD de graça nas banquinhas FdE e em cada cópia havia uma moeda de 1 real colada com durex na capa. Sim, além da pessoa não ter que pagar pelo CD, ainda ganhava 1 real. Vinte unidades (duplas) esgotaram em questão de milésimos de segundo. É quase frustrante quando me lembro que presenciei um dos idealizadores do FdE rasgando a moeda da capa e comprando uma coxinha no bar. Claro, cada um faz o que quer com a moeda e com os CDs, mas justo um grande representante do FdE? Além disso, o Alex Antunes até me apoiou no grupo de email do FdE: Alex Antunes "pois é. o importante é entender que ambas são declarações políticas. o tuizim diz que está disposto a investir 1 real pra convencer alguém a levar o cd dele. é uma proposta um tanto palhaça mas interessante, porque ela tem embutidas algumas idéias: a) o que ele tem a dizer com a música dele tem um valor em si, superior ao valor econômico do cd; b) por algumas razões, esse valor fica inacessível ou mascarado para um público potencial que poderia ou deveria ouvi-lo; c) ele chama a atenção para essa questão fazendo uma "venda performática", que surpreende por inverter os papéis de vendedor e comprador, na qual é ele quem "compra" a atenção do ouvinte; d) a graça da piada é que nem ele nem o comprador movimentam cifras altas - a "venda performática" na verdade é um truque para colocar a questão perto de onde interessa a ele (a música em si, a superação das dificuldades objetivas para fruí-la) e longe de onde não interessa (o dinheiro comandando, a relação comercial se sobrepondo à relação subjetiva com o som); e) assim, ele estende o campo artístico artista dele; de músico se transforma em performer politizado. já você, quando "encomenda" mil cds, e alega que falta dinheiro para o pão, está afirmando: a) que sua música deveria ser seu sustento econômico, mas não é. ponto. não fica claro se você acha que o problema está na música, no público ou em outras relações e processos, artísticos, econômicos ou sociais. só que é injusto seu cd não existir. será? cds existem aos montes, e em geral eles não fazem muita diferença pro universo. note, não é incorreto - pelo contrário - o combate (político) para que eles existam ainda em maior quantidade. é pra isso, entre várias outras coisas, que o circuito fora do eixo batalha. mas a sua tentativa (igualmente palhaça, e igualmente política) de desconstruir a "performance" do tuizim, fazendo-se do "esperto" que vai demonstrar que o tuizim é "tolo", traz pouca clareza, nenhuma resposta ao que ele afirmou, e mesmo um q de ressentimento." Como todos sabem, o Pablo Capilé foi nesse último Roda Viva da TV Cultura. Não quero entrar em méritos aqui mas a visão que ele tem dos artistas em relação ao FdE e vice-versa é muito utópica e incoerente. Os entrevistadores são muito burros! Tentaram execrar o FdE, mas são muito burros, com exceção do Alberto Dines que foi coerente. O grande "perigo" é que o Pablo Capilé é um gênio. Não dá pra negar. É um gênio que conseguiu construir uma rede deste tamanho! Chega a ser "covardia" no âmbito que o público é carente de festivais e bandas, e que as bandas são carentes de festivais e público. A idéia do FdE é linda, se fosse. Mas não funciona. E parece que não funciona porque entrou no inconsciente do grupo que o grupo é a força. Os artistas que fazem ou fizeram parte não têm culpa. Eles estão lá pelo deslumbre. As pessoas que vão nos eventos também não têm culpa. Só mesmo um gênio é capaz de sustentar um discurso em cima de mentiras que aparentam verdade e fingir que não é líder. A estratégia é acidental porque se o FdE cair, não haverá credibilidade pra algo acontecer na mesma onda porque já ficou estigmatizado. Enquanto isso as pessoas continuam sem acesso e o governo não viabiliza nada. Bom, e por fim me desvinculei do FdE lá em 2010 mesmo. Frequentei alguns eventos deles depois, mas já estava desvinculado. Acho que me viam de certa forma como "persona non grata". Me lembro que bem no fim fui seduzido por um achado de um amigo designer que criou o meu logo naquela época. O logo é a letra T bem fálica. Acontece que, na página social do FdE a foto do meu perfil era essa letra T introduzida no logo do FdE, que é um buraquinho. Alguém do FdE me questionou sobre isso lá em SP, e se eu tinha alguma coisa contra o circuito... mas, mais do que nunca, voltando ao meu apelo, acho que não sentiu o T fálico entrar. Retirado de https://www.facebook.com/tuizo.tozzi/posts/10200939510942299 em 8 de agosto de 2013